Artigo - ​Elogiar e xingar

Sex, 11/11/2016 - 09:56
Publicado em:

Shimon Peres por Carlos Latuff

Em 1 de outubro de 2012 publiquei uma nota dizendo: “Eric Hobsbawn se vai e deixa saudade entre aqueles, que como ele. interpretam a História, não como um conto de fadas, e sim naquilo que toca ao povo sob o prisma social e econômico.” Os anos passam e cada vez sinto mais como é triste não ler mais novos escritos de Hobsbawn, mas há um consolo com o qual devemos procurar contrariar o sono que não vem, nestas noites frias paulistanas.

Quatro anos depois que o historiador por excelência nos deixou, minha neta escreveu reclamando da feiura urbana e sobre o que fizeram com o Monumento aos Bandeirantes, que foi pintado noite dessas com tintas de vários tons. Disse-lhe ser verdade que costumamos elogiar pessoas sem olhar para o que fizeram de condenável. Os Bandeirantes desbravaram o interior do Brasil, sim e daí? Eles deixaram um rastro de sangue que a água do tempo não conseguiu limpar.

É o caso das homenagens que se está prestando ao tal Shimon Peres - que semanas atrás estava a caminho do inferno. Todos dizem hoje que ele é o homem da Paz - mentira do tamanho dos crimes que cometeu.

Em uma de minhas viagens ao Líbano, estive em Qana (a aldeia onde Jesus fez seu primeiro milagre, transformando água em vinho, nas bodas de Qana). Lá sentei, no Quartel das Forças de Paz das Nações Unidas, e o Comandante me contou um dos milhares de crimes de Peres. O Comandante já exercia esta missão e o tal Perez era Primeiro-Ministro e candidato nas eleições do estado racista de Israel e, antes de pedir demissão, ele ordenou as forças aéreas de seu governo para que atacasse o Quartel da ONU em Qana. Sabe por quê? Diante das ameaças israelenses os homens combatentes libaneses se retiraram da aldeia de Qana e as crianças, mulheres e idosos foram se refugiar no Quartel. As mentirosamente autodenominadas Forças de Defesa de Israel então, por ordem do “homem da paz”, atacou o quartel por terra e ar.

O Massacre de Qana, como seria chamado o crime sionista, ocorreu em 18 de abril de 1996, com o lançamento de artilharia por terra e ataque da aviação militar pelo ar. Dos 800 civis que procuraram refúgio no quartel da UNIFIL - Forças Interinas das Nações Unidas para o Líbano, 106 morreram e 116 foram feridos. Quatro soldados fijianos das Nações Unidas também foram seriamente feridos.

O ataque foi um desdobramento de uma luta pesada entre o Hizbullah e as forças israelenses durante a operação de tentativa de reocupação do sul do País dos Cedros.

Uma investigação posterior das Nações Unidas confirmou que não seria possível considerar a operação e o ataque por terra, como Israel tentou passar para o mundo, um erro técnico de procedimento, pois provas de vídeos evidenciaram que avião não tripulado do estado racista de Israel estava espionando o quartel da ONU e o pessoal civil que lá se refugiara antes dos bombardeios. É claro que apesar das provas Israel continua negando a verdade.

A mentira é igual aos elogios ao tal Peres – para os sionistas, não há distinção entre elogiar e xingar.


José Farhat é cientista político, arabista, ex-presidente do ICArabe e atual diretor de Relações Internacionais do Instituto.