A Causa Nacional Palestina e o Conflito Árabe-Israelense

Seg, 16/07/2007 - 21:00

Do Imperialismo Clássico à Criação de Israel (1880-1948)

O sionismo, o nacionalismo árabe e a Palestina otomana (1885-1920)

O termo 'sionismo' foi criado em 1885 pelo escritor judeu-austríaco Nathan Birnbaum como uma alusão a 'Sion', um dos nomes bíblicos de Jerusalém (Al-Quds, para árabes e muçulmanos). Nessa época, 'sionismo' basicamente significava uma resposta ao problema nacional judeu que advinha de dois principais fatores...O termo 'sionismo' foi criado em 1885 pelo escritor judeu-austríaco Nathan Birnbaum como uma alusão a 'Sion', um dos nomes bíblicos de Jerusalém (Al-Quds, para árabes e muçulmanos). Nessa época, 'sionismo' basicamente significava uma resposta ao problema nacional judeu que advinha de dois principais fatores: a dispersão judaica em várias partes do mundo; e a sua constituição, em cada um desses países, como uma minoria populacional, onde inclusive muitos judeus eram perseguidos, como era o caso da Europa anti-semita do século XIX. A solução sionista pretendia acabar com essa situação, através do retorno dos judeus a 'Sion' (que, hoje, conhecemos como um fenômeno histórico idealizado e concebido como o mito de origem fundador do nacionalismo judeu moderno), onde seriam cidadãos de um Estado nacional judaico-sionista independente. Assim, a realização do projeto do “yishuv”1 representaria a culminação do sionismo político internacional, um movimento nacionalista preponderantemente laico, secular e de matizes socialistas fundado pelo jornalista judeu-húngaro Theodor Herzl (1860-1904) na Europa de fins do século XIX. Nessa época, os sionistas haviam proposto a colonização judaica da Palestina otomana, apesar de mais tarde terem cogitado outras regiões, como Uganda (na África Oriental) e a Bacia do Rio da Prata. Porém, optou-se pela Palestina devido ao seu simbolismo para a história judaica, e, assim, iniciaram-se migrações massivas de judeus da Europa central e oriental (os ashkenazim)2, que aumentaram principalmente a partir de 1917, quando a Declaração Balfour britânica 'via com bons olhos' a criação de um 'lar nacional judaico' na Palestina histórica (de maioria populacional árabe e islâmica), embora, nesse momento, o documento inglês não previsse a constituição de um Estado. Paralelamente ao sionismo, desenvolvia-se o nacionalismo árabe, que não separava árabes cristãos de árabes muçulmanos, pois era um movimento nacional predominantemente laico encabeçado pelas burguesias comerciais das regiões árabes urbanas do império otomano, cujo apogeu ocorreria com a famosa revolta árabe de 1915 contra o decadente império turco-otomano durante a primeira guerra mundial (1914-18). Os líderes nacionais árabes (especialmente Hussein, o xerife de Meca, na Arábia) tinham obtido, após uma possível derrota turca na guerra, o apoio do imperialismo franco-britânico para a criação de um grande reino árabe independente e unificado, que se estenderia do sul da Arábia ao norte da Síria e da antiga Mesopotâmia (Iraque), a leste, ao Egito, a oeste. Porém, em 1916, a diplomacia franco-britânica firmara o “Acordo Sykes-Picot”, que dividia as províncias árabes do império turco em áreas de influência inglesa e francesa, em caso de derrota e desmembramento do Estado otomano. De fato, após a vitória da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) na Grande Guerra, as províncias árabes do vencido império otomano são divididas entre os imperialistas ingleses e franceses na Conferência de San Remo de 1920 (uma vez que, após a Revolução Bolchevique de Outubro de 1917, Sykes-Picot fora denunciado pela Rússia, que se retirara da coalizão). Diante disso, inaugura-se, em 1920, o chamado “período dos mandatos”, que nada mais é do que uma típica colonização imperialista: francesa na Síria e no “Grande Líbano”3; e inglesa na Palestina, na Transjordânia, no Iraque e nas regiões do golfo Pérsico (Kuwait, Bahrein, Catar e Emirados Árabes) e do sul da península Arábica (Omã e Iêmen)4. O nacionalismo árabe veria, portanto, seus propósitos de autodeterminação serem frustrados e adiados por algumas décadas. Na Anatólia turca, que era a região central do dissolvido império otomano do pós-guerra, o nacionalismo turco liderado pelos “Jovens Oficiais” (que já governavam de fato o império desde 1908 devido a golpe de Estado dado contra o sultão) veria o seu projeto ocidentalizante e secular atingir seu ápice com a fundação da República turca moderna, cujas fronteiras, expandidas pelo Tratado de Lausanne de 1923, passavam a incluir regiões a oeste da Anatólia de maioria populacional armênia e curda. 1 Em hebraico, “assentar-se” ou “instalar-se”; em oposição à condição de povo na diáspora, o estabelecimento do “yishuv” hebreu lançou as bases da ocupação judaico-sionista na Palestina otomana em fins do século XIX, e que evoluiu rumo à criação do Estado de Israel em 1948. 2 Do hebraico Ashk’naz para referir os judeus oriundos da Alemanha. 3 Em substituição ao chamado “Pequeno Líbano”, que, sob o governo da Mutassarrifyiah (1861-1918), fora o período de semi-autonomia da província turca do Monte Líbano na costa síria. Entre 1840 e 1860, houvera conflitos entre as comunidades cristã maronita e muçulmana druza devido a desacordos pela posse e uso das terras agrícolas. Esse período marcou o fim do controle político exercido por senhores locais, e o início da Mutassarrifiyah, ou seja, da nomeação de um governador otomano, sob a influência das potências européias (França, Inglaterra e Rússia). Os maronitas, com maciço apoio francês, tornaram-se o principal grupo social dominante desse “Grande Líbano”, tanto nas instâncias de poder da burocracia estatal quanto na esfera privada da sociedade, que se redefiniam a partir da adoção de relações sociais de produção de tipo liberal-burguês. 4 O Egito já fora ocupado militarmente pela Inglaterra em 1882 e, desde 1914, havia se tornado “protetorado” britânico. *Na próxima semana, leia “A Palestina britânica e a criação do Estado de Israel (1920-1948)”, complemento do artigo “Do Imperialismo Clássico à Criação de Israel (1880-1948)”, texto que abre a série de três artigos “A Causa Nacional Palestina e o Conflito Árabe-Israelense”.