A Globo colocou no ar o site/blog especial de divulgação de sua próxima novela “Viver a Vida”, que tem previsão de estreia para setembro próximo. Ali, principalmente as impressões do diretor Jayme Monjardim nas gravações iniciais que estão sendo feitas no Oriente Médio, em Jerusalém e Jordânia. Como veremos, o problema não é a Globo concordar ou não com Israel, mas pecar no quesito informação. A produção da emissora passa por uma Israel idílica, a volta ao paraíso. E, acima de tudo, sem palestinos. O primeiro post do trabalho de gravação é do dia 20 de maio. O blog conta: “Prepare-se para uma viagem visual incrível. Aqui no site, vamos acompanhar as primeiras gravações da próxima novela das 8, Viver a Vida, de Manoel Carlos, sob a ótica do diretor de núcleo Jayme Monjardim. Ele, equipe e elenco estão nesse momento empenhados em uma grande aventura por alguns dos lugares mais deslumbrantes do planeta. Vamos mostrar aqui, em fotos, cada passo dessa viagem, uma rota de fascínios e mistérios, que atravessa cidades milenares como Petra, Jerash, Amã e o deserto de Wadi Rum, Jerusalém e por fim Paris, a Cidade Luz. Acompanhe diariamente a rotina desses aventureiros e navegue pelo site em busca de mais informações”. Vamos às tais informações. Dia seguinte. Título: “Começam as gravações em Israel!” . Foto da equipe, olhando para o horizonte (um horizonte que não vemos), com olhares deslumbrados. “A equipe de Viver a Vida em Israel, às margens do Mar Morto: Fabrício Mamberti, diretor-geral; Affonso Beato, consultor visual; Jayme Monjardim, e a produtora de arte, Lara Tauz”. Bom, aqui temos que recorrer a um mapa. Não sabemos exatamente de onde os globais olharam o Mar Morto, se do que é litoral de Israel (se o leitor aceitar a solução de dois estados nas fronteiras de 1967) ou da Palestina. Vemos que há essas duas possibilidades, mas ao não citar a Palestina uma só vez, temos calafrios. Clicamos em “Conheça o roteiro da viagem” para saber se há algo ali que possa nos ajudar na localização da trupe da novela. Em vez de esclarecimentos, talvez a informação mais abismal de todo o blog. Somos informados que Jerusalém é “a capital nacional e a sede do governo de Israel, o único estado judeu do mundo. A comunidade internacional, no entanto, reconhece Tel Aviv como capital daquele país”. Há resoluções e resoluções que dizem que Jerusalém Oriental deve ser devolvida aos palestinos. Não obstante, há sites e sites que mostram como há estratégias ardilosas para que esses habitantes sejam expulsos de suas casas e “desocupem” a cidade, mecanismos inclusive condenados pela Corte Suprema de Israel. Sigamos a banda. Não é novidade que a Globo ignore os imensos problemas da ocupação israelense da Palestina, especialmente o seu caráter perverso em relação a Jerusalém, afinal ela faz a mesma coisa com a situação social do Brasil. Ou da Índia. Mas sigamos. Mais adiante, nessa breve descrição de Jerusalém, sabemos que “... Judeus e fiéis de todas as religiões peregrinam até o Muro (o das lamentações) para orar e deixar pedidos em pedaços de papel. Israel não exige visto para turistas com permanência inferior a três meses. Apenas um passaporte válido é necessário”. Talvez um dos inúmeros palestinos que não podem entrar, ou ficar um dia sequer, na cidade de Jerusalém vindos da Cisjordânia ficasse levemente revoltado com o texto do blog, mas logo ficaria encantado com as lindíssimas imagens de Israel. A Globo transformou a questão palestina em um divertido comercial de refrigerantes. Agora vamos passar rapidamente pela descrição de Petra, local histórico encravado no deserto da Jordânia, que também será locação da novela: “Localizada em um vale no deserto da Jordânia, Petra – do grego petrus, que significa pedra – apresenta um conjunto arquitetônico com cerca de 10 mil anos de história” (veja bem, 10 mil anos de história). Segue: Escondida (grifo meu) por muitos séculos, Petra foi desvendada em 1812, quando um aventureiro suíço, Johann Ludwig Burckhardt, apaixonado pela cultura árabe, chegou à cidade. Hoje, mais de meio milhão de turistas visitam Petra todos os anos. A Bíblia de Gutenberg, o primeiro livro impresso da história, já fazia referências a Petra. O Antigo Testamento cita a cidade na passagem sobre a caminhada de Moisés através do deserto em busca da terra prometida. (...) Recentemente, Petra foi escolhida uma das novas sete maravilhas do mundo, dividindo o título com lugares como Macchu Picchu, Taj Mahal e o nosso Cristo Redentor (aí está o palco orientalista). Foi cenário de um filme de Steven Spielberg (sensacional!, pronto, a história de Petra está completa): “Indiana Jones e a Última Cruzada”. Hospitalidade é a marca registrada dos jordanianos tanto em Petra quanto no resto do país. É comum as famílias convidarem os turistas para uma refeição, ainda que seja apenas um pedaço de pão e uma xícara de chá. Petra também é conhecida como a cidade cor-de-rosa, por conta da tonalidade da paisagem. Ao amanhecer ela é salmão, ao meio-dia, cor-de-rosa, e ao entardecer, vermelha. (...) Segundo pesquisadores, cerca de 75% da cidade ainda estão debaixo de areia e a qualquer momento novas maravilhas podem emergir. É considerada patrimônio mundial pela Unesco.” Incrível haver vida naquele lugar, na Jordânia. Não há um fato relatado nesta breve descrição histórica da Jordânia que não seja realização externa. Depois da viagem orientalista, de volta à Palestina, ou melhor, Israel. No dia 24 de maio, nos contam que a equipe da Globo teve folga. “Na pátria dos judeus, o sábado é sagrado. Nesse dia, comemora-se o sabá, que simboliza o sétimo dia da Criação Divina, em que Deus teria descançado (ignoremos o crime contra o português) depois de criar o mundo e o homem. Seguindo os mesmos preceitos, a equipe de Viver a Vida teve folga e aproveitou o dia para conhecer os sítios históricos de Jerusalém”. Dia 25. No post “Rodrigo Hilbert: olhos da cor do mar”, uma foto do ator banhando-se nas águas do Mar Morto, e aqui uma primeira menção à Palestina, embora ainda sem citá-la explicitamente: “O Mar Morto banha as costas de Israel, Jordânia e Cisjordânia”. Bom, é isso. Fiquem de olho na nova novela da Globo, com estreia planejada para setembro. Pela amostra deste blog (que não cita as palavras Palestina, palestinos, palestinas, ocupação, Jerusalém Leste, ONU, Resolução etc. uma única vez), será uma oportunidade para esclarecimento: como a Palestina ou a ocupação podem ser completamente apagadas do discurso que fala sobre o Oriente Médio, como pode se fazer uma viagem a Israel, andar por parte do território palestino, cruzar os palestinos e não vê-los. http://especial.viveravida.globo.com/fotolog-do-diretor/page/2/