Sobre Fátimas e Marias
Se os membros do ramo palestino de minha família tivessem, em 1948, construído um muro em volta de Terbikha, teriam preservado sua aldeia, suas vidas e seus bens do ataque das gangues sionistas. Terbikha lá estaria, mas Sua Excelência não defenderia para o leitor da Folha o seu direito de defesa. Claro que não.
Mentem os sionistas, e o embaixador em ressonância, quando afirmam terem direitos sobre as terras da Palestina e partes de outros países árabes vizinhos, com base em três principais fontes: o legado do Antigo Testamento da Bíblia; a Declaração Balfour da Grã-Bretanha em 1917 e a partição da Palestina em um Estado judeu e um Estado árabe recomendada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947.
Os palestinos já estavam na Palestina desde quando o tempo é tempo. Sionistas tomaram posse de suas terras para construir um país em cima de propriedade alheia.
Que defesa pode ter Israel para construir um muro alegando questões de segurança, se isso é negado aos palestinos, como sempre foi?
Um dos grandes pecados dos sionistas, ou dos israelenses, como se preferir, é querer enganar o mundo alegando buscar hoje a sua segurança quando, na verdade, foram eles que trouxeram a insegurança por meio de morte e destruição desumanas, ao ocuparem a Palestina.
Aos palestinos e aos países árabes com assento na Assembleia Geral, não foi dada nem sequer uma chance de contestar ou opinar sobre a sua recomendação. Nem uma espera solicitada de adiamento da votação por algumas horas foi concedida. Isso sim caracteriza a negação do direito de defesa.
A vontade dos órgãos estatais israelenses de ler a reportagem antes de ela ser publicada pela Folha não caracteriza negação do direito de defesa. Essa é, em realidade, uma nova forma de censura à liberdade de expressão do jornalista que narrou o que viu com os próprios olhos.
Além do muro no caminho de Maria, a reportagem também poderia ter tratado da cerca no caminho de Fátima. Fátima foi, ou ainda é, se tiver sobrevivido, uma palestina que, no final de sua gravidez, pediu a soldados israelenses da falsa fronteira permissão de passagem para o lado libanês. Queria poder contar, no momento do parto, com a ajuda de membros de sua família e com uma maternidade que não discrimina uma mãe por ela ser palestina.
Os soldados bombardearam Fátima com o montão de perguntas de sempre, mandaram-na de um lado para o outro diversas vezes e, finalmente, Fátima teve o filho ao relento, em cima da terra que sempre foi sua. Só então os sionistas abriram a porteira e a arrastaram com o filho até a beira do lado libanês.
Passados decênios, as Fátimas e as Marias continuam na mesma situação, em sua própria terra, a terra de propriedade de seus antepassados, ocupada por pessoas que não podem provar que algum ascendente seu jamais a possuiu. A não ser que se queira transformar a Bíblia sagrada em livro de registro de imóveis, dar à ONU poder que não tem e a um britânico prometer a terceiros o que não lhe pertence.
JOSÉ FARHAT, 86, cientista político, é diretor de Relações Internacionais do Instituto da Cultura Árabe (ICÁrabe)
Para ler a publicação http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/01/1397708-jose-farhat-sobre-fatimas-e-marias.shtml