Menos exotismo, mais cultura
Na série de reportagens em comemoração aos 10 anos de existência, a Agência de Notícias Brasil-Árabe analisa como a cultura árabe deixou de ser vista apenas como algo exótico por muitos brasileiros e reconhece a contribuição do ICArabe para esta mudança de paradigma.Em dez anos de existência, foram centenas as ações de divulgação da cultura árabe no Brasil registradas pela ANBA. Especialistas consultados pela agência confirmam que, no período, cresceu muito o número de iniciativas culturais e o interesse dos brasileiros pela língua, hábitos e costumes dos países do Oriente Médio e Norte da África.
Só para citar algumas das iniciativas de maior destaque, houve a criação do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe) e da Biblioteca e Centro de Estudos América do Sul-Países Árabes (Bibliaspa), que passaram a promover atividades sobre o tema; a publicação da versão oficial do Alcorão em português, traduzida pelo professor Helmi Nasr, vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara de Comércio Árabe Brasileira; um aumento significativo da procura por cursos de idioma árabe e a tradução direta para o português do Livro das Mil e Uma Noites, pelo professor Mamed Jarouche, da Universidade de São Paulo (USP).
Foi pelo trabalho de profissionais e instituições como estas que a cultura árabe começou a deixar de ser vista apenas como algo exótico e passou a ser compreendida melhor pelo público do Brasil. A Câmara Árabe apoiou muitas das atividades realizadas nos últimos dez anos.
“Percebo que hoje temos um número de pessoas interessadas bastante maior do que em épocas passadas”, afirma João Baptista de Medeiros Vargens, professor titular do Setor de Estudos Árabes da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Eu fui da primeira turma licenciada de árabe da UFRJ, em 1974. Havia só dois alunos, eu era 50% da turma. Hoje são 15 vagas por ano e há uma disputa de três alunos por vaga, o que é muito bom, comparado com outros cursos da Letras”, diz.
Oferecido também como disciplina optativa, o curso de árabe da universidade fluminense é procurado por alunos com interesses diversos. “Há alunos com interesse em religião, os alunos de Relações Internacionais têm interesse em diplomacia, há pessoas que querem seguir carreira em comércio exterior”, explica. Vargens vai receber em outubro o Prêmio Internacional de Tradução Rei Abdullah, concedido pela Arábia Saudita.
Arlene Clemesha, professora de História e Cultura Árabe da USP, destaca o aumento da busca por esta disciplina na principal universidade do país. “Recebemos alunos de toda a universidade. Há uma procura muito grande”, conta. A matéria de história e cultura árabe, que é aberta a todos os alunos da USP, costuma contar com cerca de 60 alunos por semestre, relata a professora.
Ela aponta também a diversificação nos temas das teses que vêm sendo defendidas na USP sobre o mundo árabe. “As pessoas vêm se qualificando em histórias de diferentes países em diferentes épocas. Um dos assuntos mais procurados é a questão palestina, mas eu tenho alunos pesquisando Síria, Egito”, explica. Para Clemesha, ainda há espaço para aumentar a diversidade de temas estudados sobre o mundo árabe.
A professora lembra do trabalho de alguns colegas que têm sido destaque nos últimos anos para a disseminação da cultura árabe no País. “Temos trabalhos importantíssimos na tradução, como os realizados pela Safa Jubran, Mamed Jarouche, Miguel Attie Filho e Michel Sleiman”, ressalta.
Para ela, o que ainda falta para ampliar o conhecimento dos alunos brasileiros sobre o mundo árabe é mais apoio financeiro para os estudantes interessados. “Praticamente não existem bolsas para o Oriente Médio”, critica. Apesar disso, Clemesha ressalta a importância da dedicação daqueles que optam por pesquisar a temática árabe. “O trabalho acadêmico é lento, mas é sólido. São pessoas que dedicam a sua vida a estudar um assunto”, avalia.
Helmi Nasr, que foi o fundador do curso de árabe da USP na década de 60, vê com bons olhos o crescimento do curso na universidade. “Me dediquei muito e deixei o curso de pé. Hoje, ele é muito bem visto pelos alunos”, afirma.
Sobre sua tradução do Alcorão, publicada em 2005, ele recorda que, quando chegou ao Brasil vindo do Egito, já havia sete traduções feitas do livro sagrado dos muçulmanos. “Seis foram feitas por pessoas que não conheciam a língua árabe e uma foi feita por uma pessoa que conhecia a língua, mas não conhecia a cultura”, conta. “A minha foi a primeira tradução feita por uma pessoa que conhece a língua e a cultura árabe. É a única tradução reconhecida como oficial”, destaca.
No mesmo ano, o professor lançou também um dicionário árabe-português e outros acadêmicos publicaram obras semelhantes nos últimos 10 anos.
Para Nasr, a grande colônia árabe existente no Brasil é um dos fatores que ajudam a difundir a cultura no País. Ele lamenta, no entanto, que não haja por aqui uma entidade oficial de promoção da cultura árabe, como o Institut du monde arabe, de Paris, ou o The Arab British Centre, de Londres, e diz que está trabalhando para que isso aconteça. “Estou fazendo o possível para criar um centro cultural completamente árabe no Brasil”, afirma.
Fora do âmbito acadêmico, a criação do Icarabe foi um dos principais motores para difundir a cultura árabe para os brasileiros. Fundado em 2004, o instituto já promoveu mais de 12 cursos sobre diversos aspectos da vida nos países árabes, além de ter criado a Mostra Mundo Árabe de Cinema.
“A mostra de cinema agora é internacional e faz parte do calendário da cidade [de São Paulo]”, lembrou Heloisa Abreu Dib, secretária-geral do Icarabe. “As pessoas estão percebendo que sabem pouco sobre a cultura árabe e querem saber mais”, avalia.
Dib conta que há pessoas que se tornaram membros do instituto depois de terem feito um dos cursos oferecidos pela entidade. “Mais jovens optaram pelo mestrado no curso de Relações Internacionais com foco na questão árabe. Muitos foram atraídos pela questão palestina, escreveram livros e belas teses”, revela.
Ela ressalta ainda a maior presença dos professores universitários que fazem parte do Icarabe nos meios de comunicação. “Passamos a ser referência na mídia, de onde sempre estivemos afastados. É um momento que a gente tem para mostrar nosso trabalho”, avalia. Já da ANBA, ela destaca o apoio que a agência sempre deu na informação das ações do instituto. “A ANBA é um fator de divulgação imprescindível”, afirma.